Logo que triunfou a revolução armada
contra o Ditador Anastasio Somoza na Nicarágua,em 1979, que ficou conhecida na
historia como a Revolução
Sandinista, sai da empresa privada para trabalhar para o novo governo revolucionário
na estatal Direção Geral de Construções, braço administrativo financeiro do Ministério
da Construção encarregada das obras do estado. Fui levado por um amigo, antigo
militante Sandinista, Aquiles Montoya, que conhecera no meu emprego anterior e
que ao igual que eu e a maioria do povo, lutamos contra a Ditadura e agora estávamos
dispostos a oferecer nosso empenho para trabalhar na consolidação da revolução.
Tinha na epoca 19 anos e como todo
jovem, me corria nas veias um turbilhão de fervor revolucionário com a esperança
de ajudar a construir uma nova Nicarágua, mais justa, democrática, e livre da
corrupção depois de quase meio século de uma ditadura de direita dinástica e
corrupta : a ditadura
dos Somozas. Trazia no meu
curriculum o ter sido no passado um atuante dirigente estudantil quando estava
no ensino médio, tendo sido preso e torturado pela policia politica Somocista.
.Logo que
comecei a trabalhar no Departamento de Contabilidade onde fui designado, tive a
surpresa de ter como colegas de trabalho dois grupos diferentes: Os antigos
empregados do governo anterior, a maioria Somocistas, pois ao igual que hoje,
para ser funcionário publico, tinha que estar afiliado ao partido no poder; e outro
grupo formado pelos novos empregados, jovens revolucionários, sem experiência
de como a maquina funcionava, tendo por tanto os velhos Somocistas como nossos
chefes na hierarquia, a pesar de considera-los como “velhos atrasados e reacionários”.
Apesar disso, aprendemos a conviver em harmonia, a despeito de nossas
diferenças ideológicas, e ate fizemos boa amizade.
Logo nos primeiros meses, o novo
governo lançou uma Campanha Nacional de
Alfabetização, seguindo o método de ensino do brasileiro Marxista Paulo
Freire. Foi uma coisa fantástica nunca vista antes na historia da America
Latina. Toda a juventude se engajou nessa cruzada, as universidades e escolas
de ensino médio fecharam para que seus estudantes adentrassem nos lugares mais
recônditos do pais na guerra contra o analfabetismo. O objetivo era
“supostamente” alfabetizar nossos irmãos operários e camponeses. Eu, como morava
e trabalhava na capital, fui voluntario das Milicias Operarias Alfabetizadoras
(MOA) alfabetizando os companheiros
pedreiros das obras do governo. Isto acontecia após a minha jornada de trabalho
no mesmo canteiro de obra, onde se improvisavam cadeiras e mesas com tabuas e
blocos de cimento, junto com quadro
negro, giz e lapiz, e as cartilhas de ensino, que depois vim saber, foram
editadas, fabricadas e doadas pelo governo cubano.
Os alfabetizadores nos reuníamos todos os sábados pela tarde
para receber dos nossos dirigentes políticos as diretrizes de cada modulo a ser
passado como conhecimento ao alfabetizando. As orientações eram levar as mensagens
politica e ideológica da revolução junto com o aprendizado. Tudo
estrategicamente elaborado, pela cartilha, para fazer uma verdadeira lavagem
cerebral, combinando palavras e frases
que fizessem propaganda politica
e ideológica da revolução e do Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN)
. Por exemplo, quando chegava a vez de
formar palavra com a letra “F” eram
direcionadas a propaganda do FSLN , aprendendo a escrever a palavra "FRENTE" e quando a letra era a "S" a
primeira palavra que aprendia a escrever era “SANDINISTA” e assim depois de
certo tempo o alfabetizando aprendia a escrever a sua primeira frase: “O FSLN
NOS LIBERTOU DA IGNORANCIA! VIVA O
FSLN!”. Claro que percebi que era pura lavagem cerebral, eu já tinha lido a
Revolução dos Bichos de George Orwell, mas sendo eu Sandinista e Revolucionário
Marxista Leninista de carteirinha, me convenci da necessidade de tomada
de consciência de classe do analfabeto oprimido, tal como estipulava o método Freire. Porém meses depois aconteceram dois
fatos que mudaram por completo a minha “consciência revolucionaria”!
A PRIMEIRA DECEPÇÃO. Com o meu dom nato de dirigente politico, me
destaquei na formação dos Conselhos de Defesa da Revolução Sandinista (CDS) no
meu bairro e participava ativamente nas palestras e discursos políticos em
favor da revolução o que me fez merecer a Carteirinha da Juventude Sandinista Especial , a qual me dava acesso a lugares onde um
cidadão comum não teria. E foi num
desses lugares que fui convidado por uma companheira de militância. Era uma
festa que se realizava numa luxuosa mansão de um general do antigo regime que
tinha fugido para Miami. Depois de devidamente identificado e registrado
(portava o meu fuzil M-16 que usei na guerra) me foi permitida a entrada. O que
presenciei me deixou, com a boca aberta. Era uma festa digna da mais alta
burguesia, regada a whisky e cigarros americanos e charutos cubanos acompanhados
de suculentos e fartos pratos. Cabe
lembrar que acabáramos de sair dum conflito armado que destroçou a
nossa economia, e onde os Somocistas tinham saqueado os cofres públicos e
levado o produto do roubo para os
Estados Unidos. Pelo menos era essa a
informação dada pelo novo governo. Extra muro toda a população fazia longas
filas para obter os alimentos básicos e até o papel higiênico, tudo racionado! . A festa, era para dar
as boas vindas aos “nossos irmãos Socialistas Internacionalistas” que vinham de
fora para apoiar a nossa Revolução. Lembro-me de ter conversado na época
com uns brasileiros.
A MINHA SEGUNDA DECEPÇÃO: Como trabalhava como auxiliar administrativo na contabilidade, minha
função consistia em separar, catalogar e somar os gastos de cada projeto em
andamento. Começaram a aparecer na minha escrivaninha -vindas não sei de onde-
notas fiscais e recibos forjados, de uma suposta obra do governo que levava o
nome do Ministério do Interior. Nestes constavam gastos de mobílias e artefatos
de luxo do tipo tapetes do Irã, equipamentos para piscina térmica e outros
supérfluos, Decidi investigar por conta própria qual seria a origem destes
gastos absurdos e fiquei sabendo que na realidade era uma reforma de uma mansão
destinada para o Ministro do Interior, Tomas Borge, um dos
fundadores do FSLN e chefe da temidas policia secreta do regime, que
diariamente nos seus discursos atacava a burguesia nos seus modos agir e de viver luxosos.
A MINHA REVOLTA : Não sei se foi coincidência, ou o
destino que no Sábado subsequente, na
reunião de alfabetizadores, foi abordado como tema da próxima lavagem cerebral
:“abrir mais um buraco no cinto do trabalhador”
- o que significava exigir mais “sacrifícios revolucionários” ao já esfomeado operário, preparando-o para mais
racionamento de alimentos, com o novo
pretexto de que nossa Revolução estava
passando por uma crise econômica sem precedente, agora por culpa do Imperialismo Americano. Eu sofro de uma grave neurose: Não fico calado perante
injustiças! Tomei a palavra e reclamei dizendo que nao cabia na
minha consciência ter que falar
para um pedreiro que não recebia salário há meses , somente cesta básica e
ainda RACIONADA, que teria que passar ainda por mais necessidades
enquanto os Comandantes da Revolução se davam vida de luxo, bebendo e
comendo do bom e do melhor, e usufruindo
mordomias que eles mesmo
condenavam. Falei que estava parecendo real o Romance Ficção “
A REVOLUÇÃO DOS BICHOS” de George Orwell.
Foi ali que começou a minha
desgraça- ou a minha libertação. Um companheiro militante , apelidado de cobra,
um sujeito franzindo, com marcas no rosto devido ao Acne, sem sobrancelhas (tal
vez ahi o apelido) que nunca nos acompanhava nas nossas saídas de fim de
semana, sujeito estranho, super.
reservado que quase não falava com ninguém, desta vez se manifestou. Com
expressão de ira no rosto, levantou-se da cadeira e com o dedo em riste, com a boca
cheia de baba, cuspindo nos que se encontravam sentados ao seu lado, gritou que
ele já vinha observando as minhas atitudes reacionárias me chamando de contrarrevolucionário
inimigo da revolução e agente da CIA! Estas graves acusações na época, poderiam
me levar imediatamente a prisão e a tortura e na pior das hipóteses ser
fuzilado como traidor da Revolução, sem julgamento. GRAÇAS A DEUS, um dos
Engenheiros da obra do Ministério do Interior, que estava presente -pois também
era voluntario alfabetizador- tomou coragem e saiu na minha defesa,
confirmando a minha denuncia sobre a utilização dos recursos públicos
para fins pessoais de parte do ministro Tomas Borges!
Na segunda feira, veio a surpresa: fui
desligado do projeto de alfabetização e
transferido do Departamento de Contabilidade -onde trabalhava com conforto
e ambiente climatizado- para um deposito de grãos, quente , sem ventilação e
fétido, cheio de ratos e baratas, O meu
amigo e chefe Imediato, Aquiles Montoya, não pode fazer nada em meu favor pois a
punição “vinha das altas esferas”. Um ano depois a Providencia Divina me trouxe
para o Brasil e aqui estando, se desatou outra guerra na Nicaragua, desta vez contra a nova
ditadura Sandinista, apoiada pelos Rusos, e os “Contras” como eram chamados os
que eram contra o governo Marxista, apoiados pelos Estados Unidos, que
culminou- depois de quase uma década de enormes perdas humanas e materiais de
ambos os lados, em que não houveram vencedores, num acordo de
paz com comprometimento do governo a
convocar eleições livres e supervisionadas internacionalmente. Em 1992 foi
eleito o primeiro governo democrático depois de décadas de governos
autoritários e corruptos, de direita e de esquerda.
Hoje a Nicarágua- que virou o
segundo pais mais pobres da América Latina atrás somente de Haiti- esta
governada de maneira autoritária por Daniel Ortega, o mesmo que coordenava a
junta revolucionaria dos anos 80 e que de maneira astuta e perversa, seguindo o
exemplo do seu mentor Fidel Castro, expurgou e aniquilou seus antigos aliados, instalando
um governo ditatorial e dinástico onde a sua mulher, Rosario Murillo, ocupa o cargo de vice presidente e seus filhos
e parentes controlam quase tudo-.
Atualmente a ditadura Ortega-Murillo sofre sua
maior crise politica, com manifestações nas ruas onde o povo clama por
democracia, com eleições livres e um basta a corrupção. A ditadura responde com
violenta repressão já chegando a mais de 500 manifestantes mortos ,mais de 700
presos políticos e milhares de exilados, assim como e o fechamento de vários meios independentes
de informação e encarceramento de jornalistas que criticam o desgoverno. O
regime da Nicaragua, ao igual que o da Venezuela- é apoiado pelos regimes tenebrosos
da Rússia, China, Siria, Coreia do Norte, Cuba, Bolívia e ate pouco tempo pelo Brasil no antigo
regime de esquerda do Lula da Silva e pelo Foro
de São Paulo.
Graças a Deus com o novo governo a situação se
reverteu com o Presidente Bolsonaro manifestando sua aversão a regimes
ditatoriais de esquerda.
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